Depressão é a segunda causa de
incapacidade no trabalho. Programa de exercícios ajuda a combatê-la
Angústia, inquietação, desânimo e
sensação de impotência. Por mais de cinco meses, Leticia (nome
fictício), assistente de Marketing de uma das principais empresas de serviços
de saúde de São Paulo, conviveu com esses sentimentos diariamente sem se dar
conta de que o que ela sentia não era apenas uma insatisfação temporária, mas
os sintomas de uma doença que ainda assusta muita gente: a depressão.
Todos os dias, diz ela, era a mesma coisa. Acordava e já sentia aquele aperto
ruim no peito. Não tinha estímulo para ir trabalhar e poucas coisas despertavam
o seu interesse. No começo, achava que era apenas o reflexo de uma insatisfação
no trabalho. Não gostava das atividades que desempenhava, se sentia pouco
valorizada e, além de tudo, tinha dificuldade de se relacionar com os colegas.
Quando terminava o expediente, desejava apenas ir para casa e se fechar no
quarto. Só quando perdeu o emprego, e uma amiga lhe chamou a atenção para o
fato de ser a terceira vez que isso acontecia em menos de um ano, entendeu que
algo estava realmente errado e que precisava de ajuda.
Histórias como a de Leticia são, na verdade, mais freqüentes do que se
imagina. Estimativas indicam que quatro em cada dez pessoas têm depressão. Só
no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, são mais de 10 milhões de pessoas que
sofrem com o problema. Apesar de não escolher sexo nem faixa etária, a
incidência maior da doença se dá entre os 20 e os 40 anos, justamente no auge
da vida profissional. As mulheres são as mais vulneráveis ao problema – o
número de casos é o dobro do de homens. Entretanto, não se sabe ainda se isso
ocorre devido às pressões sociais, às diferenças genéticas e psicológicas ou ao
conjunto de fatores.
“A depressão é um distúrbio neurológico que abrange o organismo como um todo,
afetando o físico, o humor, o pensamento e até a forma como a pessoa vê e sente
o mundo ao seu redor”, explica a psiquiatra e psicoterapeuta Beatriz Araújo de
Castro Rangel, do departamento de neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP). A principal característica, explica, é o
sentimento de desencanto pela vida que ela provoca na pessoa. “É como se a vida
perdesse a cor.”
Sentir-se, em certos momentos, triste, de baixo astral, desanimado ou de mau
humor são reações normais e que fazem parte da vida. São tantas situações de
perda, frustrações e estresse que ocorrem ao longo da existência que escapar
ileso chega a ser praticamente impossível. No entanto, é preciso ficar atento
aos sinais. “Se os sintomas persistem por períodos maiores e a pessoa perde o
interesse e o prazer pelos assuntos do dia-a-dia, tudo indica não se tratar
apenas de um estado de tristeza momentâneo, mas sim de um quadro depressivo”,
alerta Beatriz.
Muitos são os fatores que podem desencadear o problema: a perda de um ente
querido, o fim de uma relação amorosa, problemas financeiros e dificuldades
profissionais. Por conta das longas jornadas de trabalho, pressões por
resultados, competitividade e estresse, os ambientes corporativos estão cada
vez mais relacionados às causas do desenvolvimento da doença. “No caso de
pessoas com pré-disposição para o problema, o estresse ocupacional pode ser a
gota d’água”, diz Ricardo Esch, psiquiatra e diretor técnico da Mind Performance,
empresa de gerenciamento de riscos comportamentais que atua na implementação de
programas de Equilíbrio & Apoio Pessoal (EAP) e atende cerca de 100
empresas no País.
Rumo à liderança
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão ocupa o segundo
lugar dentre as doenças que causam incapacidade no trabalho, e a projeção é que
até 2020 ela esteja no topo da lista. Ainda segundo a OMS, a média de falta no
trabalho de um indivíduo com depressão é de sete dias por mês, enquanto a média
geral é uma vez a cada 30 dias. Em linha com essa afirmação, uma pesquisa
realizada pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS) revela que 48,8% dos trabalhadores que se
afastam por mais de 15 dias do trabalho sofrem com algum transtorno mental,
sendo a depressão o principal deles.
Para os especialistas, os programas de qualidade de vida adotados pelas
empresas podem ajudar no processo, seja na forma de suporte necessário ao
funcionário deprimido seja pela prática de ações gerais de prevenção à saúde e
melhoria do bem-estar.
Esse é o caso da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp), que oferece ginástica laboral três vezes por semana para cerca de 2,4
mil funcionários, como forma de aliviar o estresse e a tensão diária. Em aulas
de dez a quinze minutos, os professores realizam trabalhos de alongamento e
resistência muscular, possibilitando ao funcionário uma parada para relaxar e
descontrair. As aulas fazem parte de um programa maior chamado Viver Feliz,
implantando há quase um ano como resultado de uma parceira entre a Associação
dos Funcionários da Sabesp e a empresa. “Como o programa é relativamente novo,
as ações ainda estão numa fase piloto, mas já é possível perceber uma mudança
de comportamento nas pessoas, que dizem estar mais dispostas desde o início das
aulas”, comenta Elisangela Aparecida de Souza, assistente do Programa Viver
Feliz, da Sabesp.
Estimular a prática de exercícios físicos, aliás, pode reduzir a depressão pela
metade. Pelo menos é o que apontou estudo realizado pelo Centro Médico
Southwestern, da Universidade do Texas, o primeiro a avaliar os exercícios como
tratamento isolado da depressão, sem associação com medicamentos.
A pesquisa acompanhou 80 pacientes, durante três anos, indicados para realizar
treinamento aeróbico três ou cinco vezes por semana. O grupo que praticou
exercícios aeróbicos cinco vezes por semana reduziu seus sintomas em 47% após
três meses de treinos. O grupo que se exercitava três vezes por semana melhorou
seus sintomas em 30%.
A chave do benefício parece estar nos efeitos que o exercício físico de
moderado a intenso, feito de maneira continuada por 30 minutos a 35 minutos, exerce
sobre o organismo. A pesquisa abre espaço para que novas modalidades de
tratamento de depressão possam ser estabelecidas, já que muitos pacientes não
buscam ajuda por conta do estigma social da doença. As estimativas são de que
somente 23% das pessoas que sofrem de depressão recebem atenção adequada.
Falta informação
Na opinião da psicoterapeuta Beatriz Rangel, uma das formas de evitar que a
depressão se transforme num problema corporativo é a informação. “Muitos
colaboradores não sabem as causas de seu aparente desinteresse no trabalho ou
do mau relacionamento com os colegas”, diz ela. Por vezes, explica, chegam até
a passar por incompetentes, arrogantes e estressados e ficam muito sujeitos a
perder o emprego.
Desconfortos como dores no corpo também podem ser conseqüências da depressão. E
72% dos deprimidos não fazem a menor idéia dessa possibilidade, segundo a
Associação Brasileira de Transtornos Afetivos (Abrata). Mais que isso: 44% têm
redução significativa da capacidade de trabalho.
Para a doutora, o RH é o ponto central de percepção do impacto do problema.
“Essa porta precisa ser aberta para a entrada de especialistas que possam
identificar os portadores da depressão e iniciar ações concretas que facilitem
a vida desse trabalhador”, considera. Iniciativas como formação de grupos
psicoeducacionais pode ser um bom começo, além de contribuir para a integração
e o aumento da produtividade. “Ganha o colaborador, ganha a empresa”,
complementa.
Ricardo Esch vai ainda mais longe. Na opinião do especialista, é fundamental
que a empresa tenha uma política bem definida para lidar com o assunto. Isso
ajuda a determinar a postura das pessoas diante do problema. “O comportamento
dos funcionários, de certa forma, reflete as políticas da empresa; organizações
que têm como valores o respeito e a atenção ao ser humano certamente estimulam
ambientes de trabalho em que as mesmas práticas são percebidas.” O mesmo vale,
segundo ele, para situações inversas.
Ambientes preconceituosos, por exemplo, produzem pessoas preconceituosas.
Ele acrescenta que, dentre as maneiras de lidar com o problema, o contato
direto com o funcionário deprimido é sempre indicado. E essa é uma função, em
geral, do chefe, já que é ele quem está mais próximo do funcionário e pode
avaliar as alterações de desempenho que, eventualmente, estejam acontecendo. O
profissional de RH, nesse caso, entraria numa segunda etapa do processo.
Fonte: http://www.senado.gov.br/senado/portaldoservidor/jornal/jornal90/comportamento_carreira.aspx
Fonte: http://www.senado.gov.br/senado/portaldoservidor/jornal/jornal90/comportamento_carreira.aspx