sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Quero vencer a depressão mas minha família me atrapalha



Vencer um estado de angústia já é difícil, mas, quando as mudanças necessárias para isso envolvem outra pessoa, o desafio se torna ainda maior. Muitos indivíduos deprimidos ou com síndromes associadas ao stress sabem como se mostra complicado deixar de consumir açúcar com o(a) namorado(a) dizendo o quanto você está gordo(a) ou como é difícil se mobilizar para procurar emprego com o parceiro o acusando de ser uma vagabundo ou um imprestável. Ou, ainda, o quanto é difícil estudar mais com os pais sempre dizendo que você não faz nada e só fica o dia inteiro vendo TV.
Esse tipo de situação leva ao que eu chamo de simbiose neurótica (para os naturalistas ortodoxos ou, para os “psiquistas” ortodoxos, neurose simbiótica). Isso ocorre porque, diante da cobrança do outro, a pessoa sente um misto de sentimentos negativos, como raiva, mágoa e frustração, e não consegue se mobilizar para fazer mudanças, ainda que pequenas.
A inação faz com que o outro, por sua vez, o cobre ainda mais em relação às mudanças ou simplesmente faça desabafos acusatórios: “Eu não disse? Você não faz nada!”. Essa peleja vira um ciclo vicioso de raiva e aprofundamento da situação problemática, afastando cada vez mais a pessoa da superação do problema.
O indivíduo que está passando por aquela angústia poderia enfrentá-la mais facilmente se tivesse apoio de quem está por perto, mas isso nem sempre configura a realidade, até porque o outro também pode carregar suas próprias angústias (comportamentos de função inadequada ou neuroses). Assim, a solução para esses impasses depende principalmente daquele que está deprimido ou sob estresse.
Havia uma paciente que estava vivenciando um forte transtorno depressivo persistente (distimia), inclusive com comportamentos autolesivos e ideias suicidas. Aluna da maior universidade do país, ela praticamente não saía do quarto e se sentia um peso para a família. Apesar de todo o sofrimento, havia coisas que ela gostaria de fazer e que lhe trariam satisfação. Essas coisas ajudam no tratamento terapêutico porque é a partir delas que as mudanças começam a se estabelecer.
Uma das coisas que ela escreveu em sua lista era poder cozinhar sua própria comida, com ingredientes naturais e saudáveis. Acontece que, no primeiro dia em que ela foi para a cozinha, sua mãe, ao invés de destacar o quão bacana era vê-la cozinhando, preferiu repetir que ela não estava indo na academia e que precisava sair de casa e blá-blá-blá. No meio do discurso da mãe, ela simplesmente abandonou a cozinha e voltou a se trancar no quarto. Um desastre.
Ainda assim ela tentou a cozinha uma segunda vez em outro dia. Talvez por ter refletido um pouco (talvez não), a mãe não a criticou e resolveu explicitar que achava bom ver a filha cozinhando. Ainda assim, fez isso de forma aversiva: falou sobre como ela comia mal e que até que enfim estava fazendo alguma coisa porque senão acabaria mofando trancada no quarto. Ouvir isso foi insuportável para minha paciente, que novamente se recolheu na solidão de sua cama. Por isso que, em alguns casos de terapia, se mostra importante a participação da família. Mas isso nem sempre é possível.
O caminho para quem está doente, então, consiste em adotar duas estratégias. A primeira é manter-se engajado nos objetivos estabelecidos apesar das ações de terceiros e a segunda é aprender a diferenciar os sentimentos dos comportamentos e começar as mudanças a partir dos comportamentos e não dos sentimentos, que são involuntários.
Vejamos o que aconteceu com aquela paciente. Ela passou a ir para a cozinha diariamente para preparar suas refeições. A mãe continuou fazendo críticas. Conforme combinamos no consultório, ela procurou ignorar a fala da mãe e a se concentrar no prazer que sentiria minutos depois ao degustar a comida preparada com as próprias mãos. Adicionalmente, e com muito esforço, procurou trazer assuntos diferentes para conversar com a mãe.
Isso foi se repetindo dia após dia e, conforme o tempo passava, a mãe era cada vez menos aversiva e ela sentia cada vez menos raiva e cada vez mais prazer até que, poucas semanas depois, a mãe perguntou se poderia comer com a filha. E foi nessa refeição que puderam conversar um pouco mais sobre ambas e sobre a depressão da filha.
Essa pequena mudança de comportamento não foi a solução para a depressão mas abriu as portas para chegar nela. Minha paciente inaugurou um processo de reconciliação com seus sentimentos, aprendeu a enfrentar seus medos e descobriu o que lhe faltava. E o que faltava era exatamente o amor e a presença da mãe.
A mãe não é uma pessoa má. Na verdade, sentia-se culpada e impotente diante da angústia da filha mas acabava manifestando isso de maneira inadequada. Ambas se machucavam mutuamente até que a filha encontrou um caminho alternativo. E esse caminho foi exatamente o caminho do prazer, que só foi possível quando ela deixou de lado o peso da cobrança e da culpa e olhou simplesmente para o que lhe fazia bem. E toda a mudança começou com a preparação de uma simples salada com arroz integral.
Mangia que te fa bene!
Texto orginal de VejaSP



 

Depressão muda o relógio biológico: veja o que se sabe sobre a rotina cerebral



Durante todo o dia, um relógio faz tique-taque no nosso corpo. Ele acorda-nos de manhã e faz com que possamos dormir de noite. Aumenta e diminui a temperatura do nosso organismo e, nas horas certas, regula a produção de insulina e de outras hormônios.

O relógio circadiano influência até os nossos pensamentos e sentimentos. Psicólogos mediram alguns dos efeitos no cérebro pedindo que pessoas fizessem testes cognitivos em horas diferentes do dia.
Constatou-se que o final da manhã é a melhor hora para fazer tarefas como contas aritméticas de cabeça, que exigem a manutenção de várias peças de informação na mente ao mesmo tempo. Mais tarde é a hora de tentar tarefas mais simples, como procurar por uma letra numa página com rabiscos.
Outra pista sobre o relógio nos nossos cérebros vem de pessoas com condições como depressão e transtorno bipolar. Quem tem esses problemas geralmente sente dificuldade para dormir à noite ou sente-se zonzo durante o dia. Algumas pessoas com demência ficam confusas ou agressivas no final do dia.
"Os ciclos de sono e atividade desempenham um papel importante nas doenças psiquiátricas", afirma Huda Akil, neurocientista da Universidade de Michigan.
Ainda assim, os neurocientistas lutam para entender exatamente como o relógio circadiano afeta as nossas mentes. Afinal, os pesquisadores não podem simplesmente abrir o crânio de um sujeito e monitorizar as suas células cerebrais durante cada período do dia.
 
 
 
Alguns anos atrás, Huda Akil e os seus colegas tiveram uma ideia.
A Universidade da Califórnia em Irvine guarda cérebros doados para a ciência. Alguns dos seus antigos donos morreram de manhã, alguns durante a tarde e outros de noite. Huda e colegas questionavam-se se havia diferenças nos cérebros dependendo da hora do dia em que os seus doadores faleceram.
"Talvez seja uma ideia simples, mas ninguém havia pensado nisso."
Ela e os seus colegas seleccionaram cérebros de 55 pessoas saudáveis cujas causas de morte foram súbitas, como acidentes de viação. De cada cérebro, os pesquisadores fatiaram tecidos de regiões importantes para a aprendizagem, para a memória e para as emoções.
No momento em que cada um morreu, as suas células cerebrais estavam a produzir proteínas de certos genes. Como os cérebros foram preservados rapidamente, os cientistas ainda podiam medir a atividade desses genes na hora da morte.
A maioria dos genes que examinaram não revelou nenhum padrão regular de atividades no curso do dia, mas descobriram que mais de mil deles seguiam um ciclo diário. As pessoas que morreram na mesma hora do dia estavam a produzir os mesmos níveis de proteínas daqueles genes.
Os padrões eram tão consistentes que os genes podiam agir como um marcador de tempo.
"Poderíamos perguntar: 'A que hora do dia essa pessoa morreu?', e daria para apontar, após uma hora, o momento real da morte", diz Huda.
Ela e os seus colegas então fizeram a mesma análise nos cérebros de 34 pessoas que tiveram depressões fortes antes de morrer. Dessa vez, descobriram que o mesmo marcador de tempo estava bastante fora da ordem.
"Era como se as pessoas estivessem no horário do Japão ou da Alemanha", conta.
Huda e os seus colegas publicaram os resultados em 2013, inspirando pesquisadores na Escola de Medicina da Universidade de Pittsburg a tentar replicá-los.
"Era uma coisa que antes pensávamos que não poderíamos fazer", explica a neurocientista Collen A. McClung.
Collen e a sua equipa fizeram uma versão ampliada do estudo, examinando 146 cérebros recolhidos no programa de doações da universidade. Os pesquisadores publicaram os seus resultados no The Proceedings of the National Academy of Sciences.
"Encontramos ritmos muito consistentes. Realmente parece uma foto de onde o cérebro estava na hora da morte", afirma Collen.
Huda ficou grata que outra equipa de pesquisadores se tenha esforçado para apoiar o seu resultado.
"Existe uma série de coincidências que fazem com que acredite que algo realmente está a acontecer ali", explica ela.
Mas Collen e os seus colegas também fizeram o que ninguém havia tentado; compararam os padrões da expressão genética do cérebro de jovens e velhos e descobriram diferenças intrigantes.
Os cientistas esperavam encontrar pistas para explicar por que o ciclo circadiano das pessoas mudava à medida que elas envelheciam. "Quando envelhecem, os seus ritmos tendem a deteriorar-se e a adiantar-se", diz Collen.

Ela descobriu que alguns dos genes que estavam activos nos ciclos diários fortes em pessoas jovens diminuíram naqueles com mais de 60 anos. É possível que alguns idosos parem de produzir as proteínas nos seus cérebros necessárias para manter os ritmos circadianos.
Para sua surpresa, no entanto, os investigadores também descobriram alguns genes que se tornam activos nos ciclos diários apenas em pessoas de mais idade.
"Parece que o cérebro pode estar a tentar compensar ligando um relógio extra", afirma Collen.
Huda imagina que a habilidade do cérebro de forjar um relógio de apoio pode proteger alguns idosos de doenças neurodegenerativas.
"Pode ser a diferença entre a deterioração ou não", diz ela.
 
Fonte: Psicologia.pt