domingo, 28 de dezembro de 2014

Depressão é a segunda causa de incapacidade no trabalho.



Depressão é a segunda causa de incapacidade no trabalho. Programa de exercícios ajuda a combatê-la


Angústia, inquietação, desânimo e sensação de impotência. Por mais de cinco meses, Leticia  (nome fictício), assistente de Marketing de uma das principais empresas de serviços de saúde de São Paulo, conviveu com esses sentimentos diariamente sem se dar conta de que o que ela sentia não era apenas uma insatisfação temporária, mas os sintomas de uma doença que ainda assusta muita gente: a depressão.


Todos os dias, diz ela, era a mesma coisa. Acordava e já sentia aquele aperto ruim no peito. Não tinha estímulo para ir trabalhar e poucas coisas despertavam o seu interesse. No começo, achava que era apenas o reflexo de uma insatisfação no trabalho. Não gostava das atividades que desempenhava, se sentia pouco valorizada e, além de tudo, tinha dificuldade de se relacionar com os colegas. Quando terminava o expediente, desejava apenas ir para casa e se fechar no quarto. Só quando perdeu o emprego, e uma amiga lhe chamou a atenção para o fato de ser a terceira vez que isso acontecia em menos de um ano, entendeu que algo estava realmente errado e que precisava de ajuda. 


Histórias como a de Leticia são, na verdade, mais freqüentes do que se imagina. Estimativas indicam que quatro em cada dez pessoas têm depressão. Só no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, são mais de 10 milhões de pessoas que sofrem com o problema. Apesar de não escolher sexo nem faixa etária, a incidência maior da doença se dá entre os 20 e os 40 anos, justamente no auge da vida profissional. As mulheres são as mais vulneráveis ao problema – o número de casos é o dobro do de homens. Entretanto, não se sabe ainda se isso ocorre devido às pressões sociais, às diferenças genéticas e psicológicas ou ao conjunto de fatores.



“A depressão é um distúrbio neurológico que abrange o organismo como um todo, afetando o físico, o humor, o pensamento e até a forma como a pessoa vê e sente o mundo ao seu redor”, explica a psiquiatra e psicoterapeuta Beatriz Araújo de Castro Rangel, do departamento de neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A principal característica, explica, é o sentimento de desencanto pela vida que ela provoca na pessoa. “É como se a vida perdesse a cor.”



Sentir-se, em certos momentos, triste, de baixo astral, desanimado ou de mau humor são reações normais e que fazem parte da vida. São tantas situações de perda, frustrações e estresse que ocorrem ao longo da existência que escapar ileso chega a ser praticamente impossível. No entanto, é preciso ficar atento aos sinais. “Se os sintomas persistem por períodos maiores e a pessoa perde o interesse e o prazer pelos assuntos do dia-a-dia, tudo indica não se tratar apenas de um estado de tristeza momentâneo, mas sim de um quadro depressivo”, alerta Beatriz.



Muitos são os fatores que podem desencadear o problema: a perda de um ente querido, o fim de uma relação amorosa, problemas financeiros e dificuldades profissionais. Por conta das longas jornadas de trabalho, pressões por resultados, competitividade e estresse, os ambientes corporativos estão cada vez mais relacionados às causas do desenvolvimento da doença. “No caso de pessoas com pré-disposição para o problema, o estresse ocupacional pode ser a gota d’água”, diz Ricardo Esch, psiquiatra e diretor técnico da Mind Performance, empresa de gerenciamento de riscos comportamentais que atua na implementação de programas de Equilíbrio & Apoio Pessoal (EAP) e atende cerca de 100 empresas no País. 



Rumo à liderança



De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão ocupa o segundo lugar dentre as doenças que causam incapacidade no trabalho, e a projeção é que até 2020 ela esteja no topo da lista. Ainda segundo a OMS, a média de falta no trabalho de um indivíduo com depressão é de sete dias por mês, enquanto a média geral é uma vez a cada 30 dias. Em linha com essa afirmação, uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) revela que 48,8% dos trabalhadores que se afastam por mais de 15 dias do trabalho sofrem com algum transtorno mental, sendo a depressão o principal deles. 



Para os especialistas, os programas de qualidade de vida adotados pelas empresas podem ajudar no processo, seja na forma de suporte necessário ao funcionário deprimido seja pela prática de ações gerais de prevenção à saúde e melhoria do bem-estar. 



Esse é o caso da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que oferece ginástica laboral três vezes por semana para cerca de 2,4 mil funcionários, como forma de aliviar o estresse e a tensão diária. Em aulas de dez a quinze minutos, os professores realizam trabalhos de alongamento e resistência muscular, possibilitando ao funcionário uma parada para relaxar e descontrair. As aulas fazem parte de um programa maior chamado Viver Feliz, implantando há quase um ano como resultado de uma parceira entre a Associação dos Funcionários da Sabesp e a empresa. “Como o programa é relativamente novo, as ações ainda estão numa fase piloto, mas já é possível perceber uma mudança de comportamento nas pessoas, que dizem estar mais dispostas desde o início das aulas”, comenta Elisangela Aparecida de Souza, assistente do Programa Viver Feliz, da Sabesp.



Estimular a prática de exercícios físicos, aliás, pode reduzir a depressão pela metade. Pelo menos é o que apontou estudo realizado pelo Centro Médico Southwestern, da Universidade do Texas, o primeiro a avaliar os exercícios como tratamento isolado da depressão, sem associação com medicamentos. 



A pesquisa acompanhou 80 pacientes, durante três anos, indicados para realizar treinamento aeróbico três ou cinco vezes por semana. O grupo que praticou exercícios aeróbicos cinco vezes por semana reduziu seus sintomas em 47% após três meses de treinos. O grupo que se exercitava três vezes por semana melhorou seus sintomas em 30%. 



A chave do benefício parece estar nos efeitos que o exercício físico de moderado a intenso, feito de maneira continuada por 30 minutos a 35 minutos, exerce sobre o organismo. A pesquisa abre espaço para que novas modalidades de tratamento de depressão possam ser estabelecidas, já que muitos pacientes não buscam ajuda por conta do estigma social da doença. As estimativas são de que somente 23% das pessoas que sofrem de depressão recebem atenção adequada. 



Falta informação



Na opinião da psicoterapeuta Beatriz Rangel, uma das formas de evitar que a depressão se transforme num problema corporativo é a informação. “Muitos colaboradores não sabem as causas de seu aparente desinteresse no trabalho ou do mau relacionamento com os colegas”, diz ela. Por vezes, explica, chegam até a passar por incompetentes, arrogantes e estressados e ficam muito sujeitos a perder o emprego.



Desconfortos como dores no corpo também podem ser conseqüências da depressão. E 72% dos deprimidos não fazem a menor idéia dessa possibilidade, segundo a Associação Brasileira de Transtornos Afetivos (Abrata). Mais que isso: 44% têm redução significativa da capacidade de trabalho. 



Para a doutora, o RH é o ponto central de percepção do impacto do problema. “Essa porta precisa ser aberta para a entrada de especialistas que possam identificar os portadores da depressão e iniciar ações concretas que facilitem a vida desse trabalhador”, considera. Iniciativas como formação de grupos psicoeducacionais pode ser um bom começo, além de contribuir para a integração e o aumento da produtividade. “Ganha o colaborador, ganha a empresa”, complementa. 



Ricardo Esch vai ainda mais longe. Na opinião do especialista, é fundamental que a empresa tenha uma política bem definida para lidar com o assunto. Isso ajuda a determinar a postura das pessoas diante do problema. “O comportamento dos funcionários, de certa forma, reflete as políticas da empresa; organizações que têm como valores o respeito e a atenção ao ser humano certamente estimulam ambientes de trabalho em que as mesmas práticas são percebidas.” O mesmo vale, segundo ele, para situações inversas. 



Ambientes preconceituosos, por exemplo, produzem pessoas preconceituosas. 



Ele acrescenta que, dentre as maneiras de lidar com o problema, o contato direto com o funcionário deprimido é sempre indicado. E essa é uma função, em geral, do chefe, já que é ele quem está mais próximo do funcionário e pode avaliar as alterações de desempenho que, eventualmente, estejam acontecendo. O profissional de RH, nesse caso, entraria numa segunda etapa do processo. 



Fonte: http://www.senado.gov.br/senado/portaldoservidor/jornal/jornal90/comportamento_carreira.aspx

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